-Ao menos, tente ver o lado bom disso, Abba...
-Lado bom? Lado bom? Você ficou maluco, Caleb, maluco. Você vê lado bom nisso? Eu não vejo lado bom em centenas de corpos no chão. Preferia estar em qualquer outro lugar do mundo agora, mas isso é injustiça. Estamos seguindo as ordens desse governo que quer apenas guerra e morte. Acha que eu me divirto assim? Para você é fácil ver todos assim e ainda ser otimista, mas para mim não... por curiosidade, qual o lado bom disso mesmo?
-Bem... não teremos mais problemas com a superpopulação... eu acho... pensando bem, Abba, você pode ter...
-CUIDA...
Tão intenso e rápido, uma nuvem negra se formou entre os dois soldados israelenses, causando tamanha destruição no local. Enquanto ambos discutiam sobre a possível guerra, outros pressionavam o botão na tela do computador. Depois de alguns minutos, poderia sentir o chão tremer. Não tiveram chance de se proteger ou esconder, mas logo foram sumindo sem deixar marcas. Daqui um tempo, estarão observando crianças e pais chorando pela perda dos dois filhos. Um ódio profundo se criará e ficará preso naquelas medalhas de honra que sempre entregam depois da morte. Felizmente, ambos estavam atrás de uma pedra na hora do incidente. Acordaram depois de três horas:
-Você está bem? - Abba perguntava ao seu companheiro, que acordava no mesmo momento e tentava se levantar.
-Eu acho que sim. -responde Caleb com dificuldades -Estou sentindo dores, mas nada tão preocupante. Onde estamos?
-No mesmo local, mas está tudo destruído... ei, consegue ouvir?
-Ouvir o quê?
-Preste atenção, Caleb...
Podia-se ouvir sons de passos se aproximando. Uma tropa de aproximava a norte da posição atual dos dois irmãos. Estavam assustados, mas preparados para esse tipo de situação. Pensaram num plano e tentaram sair da vista da tropa:
-No três, ok? Um, dois, três!
Correram como nunca os dois irmãos Caleb e Abba da tropa de Gaza que se aproximava. Ambos escutaram tiros se gritos, mas tentavam ignorá-los o máximo que podiam. Entraram nas ruínas de uma casa a frente e se esconderam:
-Mas que merda, Caleb! Estamos fritos agora!
-Ainda não, Abba, vamos ter que...
-O quê? Você não está pensando nisso... deve haver outra solução. Sabe como eu me sinto em relação a isso, Caleb. Vamos fugir desse lugar e tentar encontrar nossos aliados. Quem sabe encontramos o General Gideon. Qualquer coisa, menos isso...
-Eu sinto muito, Abba, mas é necessário.
Num ato de bravura, o irmão mais velho pegou sua arma e apontou para as tropas palestinas que se aproximavam. Sem hesitar, abriu fogo contra eles. Logo em seguida, seu irmão fez a mesma coisa. Podia-se ver corpos caindo e outros se escondendo. Podia-se ouvir gritos desesperadores, balas ricocheteando em barras de metal presas a estrutura da casa e explosões absurdas feitas pelas granadas que foram lançadas, sem destino. Podia-se sentir o frio na barriga e a dor de cada bala perfurando alguns. Podia-se lutar como nunca naquele local. Podia-se viver numa verdadeira guerra.
Os irmãos pararam para recarregar e logo voltaram a ativa. Alguns segundos depois, um grito solitário ecoou por toda casa, cessando o fogo disparado por Abba. Caleb, ferido por uma bala no pescoço, estava caído no chão sem expressões, enquanto seu irmão olhava-o chorando como nunca.
-Caleb, por favor Caleb... não me deixe nesse inferno sozinho Caleb. Vamos superar isso juntos, irmão. Não se vá por favor, Caleb... Eu lhe imploro, Allah, traga meu irmão de volta. Eu lhe suplico... tire minha vida no lugar da dele. Deixe-o viver junto aos filhos, mas não deixe-o morrer tão jovem.
Podia se ver o sangue no rosto dos dois rapazes. Caleb agora estava morto enquanto seu irmão chorava como nunca tinha chorado. Acabara de perder alguém que admirava muito. Abba estava numa fúria incontrolável agora. Prometeu acabar com todos que tinham cooperado na morte do seu querido irmão. Num ato de fúria, pegou sua arma, suspirou, mirou e começou a matar. Não pensava em mais nada a não ser no irmão morto, até que seu corpo ficou leve e parou de pensar. Parou de sentir. Parou de viver. Uma bala havia penetrado na cabeça de Abba, causando assim sua trágica morte. Ambos irmãos estavam caídos enquanto as tropas palestinas avançavam contra os corpos. Ambos foram recolhidos e cremados.
Uma semana depois, Avivah estava em sua casa com seus filhos, Gabriel e Hod, quando bateram na porta. Avivah, preocupada, fora atender rapidamente com um sorriso no rosto, que logo se transformou em lágrimas. Caleb deixou uma mulher viúva com dois filhos para criar. Voltamos a história daquela medalha de honra que causava ódio e destruía famílias e corações. Num gesto nobre, o General Gideon entregava as duas medalhas de honra a Avivah. Medalhas que continham uma mensagem padrão, mas nessas tinha algo de novo. Algo diferente para os dois melhores soldados que serviram a pátria como nunca. Na medalha de Abba, poderia ler a seguinte palavra ''Caleb'', que significava ''destemido''. Na medalha de Caleb, lia-se a palavra ''Abba'', que tinha o significado de ''pai'', em homenagem ao pai de dois filhos morto em batalha. Ambas medalhas com os nomes ''trocados'' propositalmente, valorizando o que cada soldado tinha para oferecer. Honra primeiro, glória depois.
As crianças chegaram depois ao ver a mãe chorando. O próprio Gideon tratou de dar a notícia. Gabriel e Hod, grandes irmão, começaram a despejar no choro. Ambos lutariam por seu país vários anos depois, mas naquela data, Gideon tratou de dar-lhes duas medalhas, dizendo as seguintes palavras:
-Com o esplendor do sol, ambos terão força para superar isso. Meus pêsames
Um pequeno trocadilho feito pelo General, que traduziu os nomes de ambos os filhos numa frase. Gideon era muito próximo da família e, por isso entregou a mensagem. Ambos irmãos, unidos, tornariam a entrar no exército anos depois. Ambos fariam a mesma coisa que fizeram Abba e Caleb. Ambos sonhavam em se tornar heróis como seu pai e seu tio. Não se via diferença na união de ambos irmãos. Como antes, eram dois contra o mundo.
Abba não cumpriu sua promessa.
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