domingo, 8 de fevereiro de 2015

Onde queria estar

Corri daquele corredor escuro onde tais seres não deixavam-me em paz. Mas onde eu poderia ter paz naquele lugar? O fedor era horrível, ouvia sempre barulhos estranhos, memórias me perseguiam, e vários seres tentavam me encurralar. Já tinha visto coisas piores, mas não posso fazer nada contra isso. Já fui ao inferno e agora estou em busca de redenção, por coisas que não fiz. O caminho não tem fim, e a luz no fim do túnel, está se apagando.

Entrei numa porta a minha direita. O chão estava com lodo e quase escorreguei, mas segurei na maçaneta a tempo. Desesperado, abri a porta, entrei no salão escuro e quando fui fechar, eu vi a face deles. Sem expressão, sem vida, sem valor. Parecia uma máquina sendo controlada por algo ou alguém. Olhos azuis escuros, ocupando toda a parte da visão. Não era como a face humana, mas tinha olhos e uma boca. Pingava algo de lá, mas não fiquei para ver. Apenas fechei a porta e a travei com alguns minutos. Quando os sons pararam, relaxei e despejei meu corpo pelo chão frio, pensando no que seria de mim se eu pudesse mudar tudo naquela noite.

Acabam-se os pensamentos e me levanto. Vejo linha azuis pelo chão. O primeiro sinal estava dado. Aquele velho realmente falou a verdade. Comecei a ouvir vários sussurros, mas não entendia nada deles. Olho para o lado e vejo um brilho branco. O segundo sinal estava dado e eu podia confirmar minhas suspeitas. Aquele lugar já não era estranho para mim. Parece que finalmente tinha chegado ao meu destino: o salão principal do Purgatório!

Dei dois passos e os sussurros ficaram mais claros. Podia ouvir algumas palavras como ''idiota'' ou ''dança''. Não fazia sentido. Era muito confuso. Os sussurros aumentaram quando comecei a andar um pouco mais.  Ouvia frases completas como ''você não devia ter feito isso, imbecil'' ou ''dance, miserável, dance''. Não sabia o que pensar, pois aquele velho não havia dado mais instruções. Como prosseguir a tanta variedade em cena? Esqueci que num mundo estranho, eu faço o papel principal.

Tentei tapar os ouvidos, para ver se os sons paravam, mas não consegui o que queria. Corri um pouco e os sons ficaram mais baixos, até ver uma silhueta azul cantando alguma música. Aquela voz deixava um desejo profundo dentro de mim. Um desejo que só uma mulher conseguiu deixar. Eu podia jurar que vi minha mãe cantando para mim, nas noites obscuras em que sentia medo. Todo aquele som da chuva parava. Não ouvia mais relâmpagos, só a voz doce da minha mãe. Quando vejo novamente, a silhueta se transforma numa bela garota. Ela olha para mim e faz um sorriso. Também sorri para ela naquele momento, pois havia me encantado com ela. Encarei ela por alguns segundos, até que uma expressão de medo atingiu seu rosto e simplesmente, a bela garota azulada desapareceu no vazio, deixando a escuridão tomar conta de meu corpo outra vez. Quando me dou por perceber, algo começou a gritar em meu ouvido e me segurou. Algo agoniante e assustador. Me soltei e me deparei com a alma que estava gritando e rindo, ao mesmo tempo. Fiquei paralisado, até perceber que não tinha apenas uma delas.  O salão estava tomado por eles.

Me desesperei e corri naquele palco imenso. Haviam várias cadeiras postas, com silhuetas azuladas no meio da escuridão. Era realmente bonito de se ver, mas não era bom. Era assustador. Horripilante. Eu não conseguia me acalmar, até que esbarrei em alguém que ria loucamente:

-Opa, aceita um drinque? - disse o homem, jogando o líquido em meu rosto

Me afastei rapidamente, tentando me manter o mais longe possível daquelas ''pessoas'', mas não importava onde eu pisasse, eu sempre esbarra em alguém:

-Olhe para frente, idiota!

-Mendigo, dance para mim!

-Você não vai me roubar! Ela só já basta!

-Afaste-se, ou faço-lhe em picadinhos.

Não importava para onde olhasse, sempre tinha alguém falando comigo. Eu estava num sonho? Todos eram estranhos. Todos estavam presos no mesmo lugar, no mesmo salão. Este seria realmente o salão principal do Purgatório? Eu estava perdido, mas estava consciente,. Ou não estava? O salão estava tomando pelas mesmas almas, com características únicas. Excluídos da sociedade. Exilados do país. Jogados num hospício pelos familiares. Eu estava num lugar de loucos. Mas quem realmente é o louco? Eles por serem estranhos e anti-sociáveis, ou eu, por considerar-me normal num lugar repleto de estranhos seres normais aglomerados nesse lixo.

Me acalmei e comecei a caminhar entre eles. Não sentia tanto pavor como antes, mas estava cauteloso. Um cheiro forte de fumaça atingiu minhas narinas.  Reconhecia aquele cheiro. Era único. Um cigarro Hudson com folhas de maconha sendo aproveitado pelo velho conhecido Jakens! Como não poderia reconhecer aquele senhor imundo! Tentei localiza-lo, estava sentando ao pé de uma arquibancada vazia, fumando seus cigarros:

-Jakens! -gritei.

-Alex? É você mesmo?

-Sou eu, Jakens. Você mudou muito

-Você também velho amigo. Por que está aqui?

-Nem eu sei. Me falaram que eu encontraria uma saída se viesse aqui.

-Saída? Então não és daqui? Liberte sua alma!

-Minha alma?

-Você ficará aqui, como um de nós!

E de repente, todos olhavam para mim com uma cara de dúvida e de desprezo. Comecei a sentir frio e ouvi um coro começar dos fundos:

-Matem e transformem! Matem e transformem!

-Jakens, me ajude cara - falei para meu companheiro, que repetia a mesma frase que todos.

Estava sozinho e encurralado. Comecei a gritar e a correr no meio deles. Desapareciam como nuvem, mas sentia o peso de cada alma sobre minhas costas, quase não aguentando mais. Meu fôlego acabou. Minhas esperanças foram com ele. Eu estava morto. Fechei os olhos e comecei a chorar.

Uma mão veio sobre meu ombro direito. Resisti a ela e abri os olhos. Vi a garota novamente em minha frente, sorrindo para mim. Seu sorriso era estonteante. Seus olhos eram profundos e castanhos, assim como seu cabelo. Estava apaixonado novamente. Me senti como um garoto. Ela me ajudou a me levantar e apontou para uma porta que brilhava em meio a escuridão azulada. Quando fui agradecer, ela havia desaparecido.

Num remorso, corri como um louco atrás da saída. Não podia parar, pois ainda estavam atrás de mim. Seguraram meu ombro, mas consegui abrir aquela porta e correr para a luz, onde pelo menos achava que estaria salvo. Respirei fundo e fiquei aliviado. Aquilo tudo ficou para trás e parecia que tudo acabou. Como estava enganado...

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